sexta-feira, 16 de julho de 2010

psiu!

Fria?
Não, este realmente não é o meu apelido
Espia
Abre tuas pestanas
Observa melhor este castigo
Que talvez seja tua guia

Agora?
Eu sou apenas minha
Minha dona
Sou a minha
Engana
Cuidado
A aparência não é resposta
É exatamente a incógnita
Trataremos nesta obra

Tragédia?
Um bombardeio em minha mente
Ataca constantemente meus pés
O destino avisou que se encarrega

Minha aparência
Tua aparência
Nossa aparência
Que improcedência
Estrelas ensaiadas no céu.
E sob meus pés.

Silêncio!
Para quê pensar?
Se só se quer sentir?
O destino me aguarda
Farei dele o meu convento
Não por acaso estendi-me em flor

Cura?
Preciso dela em toda lua
Sou ela a cada nascente
Posso até deixar de necessitar da cura
Mas não esquecerei de respirar.

crepúsculo

Assim em estado bruto, no mais simples e delicado estado, naquele em que os olhos não veem. Naquele despido de refinações sociais, sem armaduras, sem escudos. Quando para a alma, a porta se abre. Porta construída de magoas dá entrada ao cristal.
Assim estava ela. Tentando ser a mulher azul porque o próximo crepúsculo seria azul. O próximo encontro seria o beijo azul. Assim estava ela. Dilacerada na cama dele, envolta nos trajes dele. Embriagada do cheiro dele. Suspirando. O sol chegaria mais tarde porque o próximo crepúsculo seria azul.
Assim sentia-se ela: boiando num bote sobre as águas claras, com a mão na água boiando num bote. Embaixo dela havia um espelho. Os dedos dela tocaram-no. Espelho de águas claras. Água de flores, água de cristal. Entre os dedos dela havia um cristal, sua maior preciosidade. Banhava-se ela num bote sobre as águas claras de flores com cristal, espelho. Será que essas águas fariam do cristal uma flor de narciso?
Mas, no turbilhão da correnteza, seu sonho se desfez. E em onda de muro de mármore se fez. Fria, lisa, escorregante, impenetrável, e pesada. A onda esbarrou nos dedos dela. Esbarrou no cristal dela. Esbarrou no bote dela. Ferira-se. E agora o próximo crepúsculo seria azul-sangrento. Sem cama, sem trajes, sem cheiro. O sol chegaria mais cedo porque o próximo crepúsculo seria azul-sangrento. Sentou-se na cama.
Assim em estado bruto, simples e selvagem, naquele estado em que os olhos não veem. Trancou-se em armaduras e escudos. Trancou-se no cristal. Alma trancada na porta de mágoas.
Assim fora o seu bom dia repercutido nas ondas sonoras graves. A boca dele movia. Ele falava, ela não o escutava, traduzia-o. Via-o em pêlos pretos no queixo, pretos, azul. Barba Azul. Não poderia! Ela o queria. Ele queria ir jogar bola, dar uma volta sem ela. Então, ela olhou o céu, azul, sentiu a brisa. Poderia voar. Poderia boiar no bote nas águas de céu. Então, ela queria o mundo. Ele queria que ela o esperasse. Esperasse assim: linda, plena, arrumada, engomada, na cama, de fetiche de renda, parada, concreta, pele, corpo apenas, corpo sem alma, sem cristal, parede de mármore. Mas se o mundo fosse feito em quatro paredes, ela os pintaria de azul. Depois jogaria água para transformar o concreto em vento. O amor é abrir as portas e janelas da casa. Não, não, não o esperaria. Que vá chutar a bola. Ele abriu os gritos e fechou os ouvidos. Ela queria brisa. Ele gerou uma tempestade. Assim a deixou em casa. Assim, ela respirou, respirou e flutuou pela mente afora a olhar a janela na velocidade do embrião que vira feto que vira filho.
Assim ela tomou junto de si uma lista telefônica para lembrar que a vida tinha razão. O sol. Sim, ele, o sol chegaria mais cedo porque o próximo crepúsculo seria azul – haveria de ser. Assim ela resolveu tomar banho para fazer de conta que era mulher como aquela que imaginava. Abriu o chuveiro e assistiu o espetáculo da água escorrer sem forma, sem cheiro, sem cor, espelho. Bem sabia que era sem forma, sem cheiro, sem cor como a água. Tampou o ralo e juntou água. Quem sabe boiaria num bote. Sentiu a chuvarada afagar suas costas. Afago. Juntou a água e viu seu reflexo. Ainda era meio-dia. O Sol, o brilhante sol avisava nas badaladas do relógio da cozinha. A tarde começara agora. Lavou os pés para lavar as pontas das magoas. Deitou-se na água juntada para lavas a alma. Alagou o banheiro. Transbordava. Abriu seus olhos e examinou o teto, piscava e respirava, piscava e respirava. Seus olhos alcançara a porta, mas não percebera o estrago, apenas percebera que não se cabia, sua alma trespassava.
Assim resolveu retornar com o cuidado dos pés. Quem sabe assim cuidaria dos calos. Tiraria um por um. Até chegar ao ponto de partida. Ao estado bruto. Aquele que os olhos não veem. Pés limpos. Descalços de calos. Puros como o cristal. Não terminou. O telefone tocou. Caminhando em direção ao parelho encontrou um estojo de renda e redondo e roxo. Parou-se no caminho. Abriu-o. Retirou o batom vermelho da cor da cereja. Pintou os lábios. O sol brilhava sangrento lá fora. Vestiu uma saia de pregas azul engomada. Vestiu a blusa rendada com filó azul. A tarde ainda começava e ela ainda não se tornara uma mulher azul porque o próximo crepúsculo haveria de ser rubro. Amarrou uma fita azul nos cabelos encharcados. Pintou os olhos de azul.
Assim quase azul caminhou descalça. Andou para a sala para o quarto para a sala. Achou uma poeira solitária na almofada. Água resolveria. Passou pano úmido. Achou outra poeira na estante da televisão. Passou outro pano. Assim lavou as paredes. Enchera um balde para lavar o chão que seus pés de calos cuidados pela metade pisam. Era pouco. Encheu outro balde para tentar fazer daquele piso espelho. Encheu todos os baldes da casa. Jorrou água na sala. Chuvarada. E se ria. Ria como o sol das águas das flores. O sofá tinha flores. Quem sabe elas não escorreriam para o chão e boiariam no bote na água espelho de flor. Agora o sofá estava molhado, o chão alagado, os móveis molhados e alguns cacos de lousa de enfeite fetiche escorregado quebrado no chão espalhados. Ela se espelhava, transcendia e ria. A tarde lavada. Não, não, não. Não haveria nenhum toque de rubro no próximo crepúsculo. Seu batom era suficiente. O telefone tocou. Tocou. Ela jogou outro balde d’água na sala desformada quebrada de cacos em forma de flor. Agora ele gritava um sussurro quase afogado além da janela. E que fora mesmo que dissera? Precisava lavar a voz cabeluda de pêlo preto. Não o ouvia, interpretava. Assim, a casa pingava.
Assim sentou-se no chão para procurar-se no reflexo da água, ou para observar os outros reflexos. Achou um fio de cabelo fraco que caíra em algum momento. Levantou-se com mais força e despejou mais água. Agora não haveria cabelo, nem sua fraqueza.
Assim sentara-se no palmo de água. Dobrou os joelhos para pôr seus pés na água para quem sabe afogar as mágoas. Olhou seus calos. Não os havia. Havia sangue molhado dos calos que tirara. Dói ficar em estado bruto. Dói o ponto de partida. A tarde alanrajava-se. Ela iria se tornar uma mulher azul. Não tinha tinta para pintar as paredes.Tinha giz de cera.
Sentou-se novamente com os pés dentro d’água e coloriu com força as paredes de azul. Teria que tê-las azul até o crepúsculo. Azul, azul de céu, azul boiando num bote na água de flor. O telefone chiou. Azul de cristal. O telefone. As páginas amarelas da lista telefônica boiava. O telefone, a voz, o vento, a pele engulhada, paredes azuis, paredes azuis, barba azul. A água começou a pingar pelo terraço. Não poderia, não poderia perder a água. Correra para o terraço para tentar segurar a água. Ela tinha força e insistia em escapulir. E ela segurava como podia. Caíra no chão, desfolhando os joelhos. Não, não, não. Precisava conter a água que escorria. Assistiria ao crepúsculo sentada num bote. Jogou mais e mais e correu e tentou conter a água com as mãos. E escorregou e caiu novamente. Desistiu. Recompôs-se. Ajoelhou-se como uma santa. Sentiu suas mãos flutuarem na água. Cravou suas unhas na roupa azul e molhada e rasgada e rasgou mais com raiva, com quase repugnância, descabelada, selvagem, em estado bruto, arranhou-se, feriu-se, sangrou. Limpou o batom com as costas da mão direita. Ficou borrada em aquarela. Queria apenas se sentir assim azul. Azul é o céu, azul é o mar, azul é a rainha que nós vamos coroar, cantou.
Assim sentada olhou o céu. Assim, perto do chão não percebia, por aquele ângulo, a vermelhidão no céu porque seus olhos só captavam o azul, um resto de azul. Respirou. O próximo crepúsculo seria azul. Mas piscou os olhos numa quase felicidade azul e sorrira roque acreditava ter alcançado seu crepúsculo azul. E numa fração de segundos, infelizmente suas pupilas encontraram os raios escarlates que insistiam em se espalharem pelo céu, contaminando-o.
Assim segurou seu resto de blusa rendada de filó azul com tamanha força que ao tentar arrancar de si, carregou vestígios de pele de seu seio, banhando-se de sangue. Fio vermelho brotando no peito. Não estava abrindo a porta feita de mágoas para a dor, nem para o escarlate. O crepúsculo teria de ser azul. Azul. Arrancou o resto do vestido. Cravou as unhas nos lábios para retirar o vermelho que lhe restava. Tiraria seus lábios juntos, para poder ter o azul. A água vazava pelo terraço. Depositou as mãos na água. Tentou segurar o seu cristal no meio da coloração rubro-azul que pairava no chão. Percebeu que cavava mesmo era o azulejo. Seus dedos agora contribuíam para a contaminação do vermelho em sua casa. Já tirara o batom. Já tirara o batom. O que mais faltava? Sua boca sangrava, seus dedos sangravam; seus arranhões no seio, nas costas, nas pernas, na cintura, sangravam, seus calos sangravam. Restava sua fita azul imaculada porque resolvera molhar a cabeça no aguaceiro que criara. Só cinco minutos de crepúsculo azul e ela ficaria satisfeita. Já tirara o batom, não haveria crepúsculo vermelho então.
Assim em estado bruto, no mais simples e delicado estado, naquele em que os olhos não veem. Assim estava ela tentando ser a mulher azul porque o próximo crepúsculo teria de ser azul. Estava envolta em seus restos de trajes azuis, com os dedos sangrando boiando no resto de água que fugia pelo terraço e se solidificava no jardim. Mas fechara os olhos para não ver. Podia imaginar. Podia imaginar. Podia sentir um grande caco de lousa quebrada em forma de flor em suas mãos que boiavam no resto de água. Ela podia senti-lo. Quem sabe não encontrara seu cristal? De olhos fechados imaginava a mais forte tonalidade de azul. O Crepúsculo azul. Azul-Rei. Azul, o rei, o imperador. Sentia as arestas do caco. Podia imaginar seu cristal. Dedilhou pelo entorno em busca de seu cristal. Não achara. Mas sorriu. Estava ali dentro para além da pele, para além da parede. Não teve dúvida. Trespassara a lousa no pescoço num caminho fio de colar. Cortara o pescoço. O sangue encharcara. O telefone tocava.
Assim estava ela: no mais completo estado bruto. Sem armaduras, sem escudos. Para a alma, a porta estava aberta. Porta construída de mágoas da entrada ao cristal. Quem sabe assim ele a queria. Seus olhos apontavam para um resto de céu. A tarde lavada como seus pés lavados. Dos calos retirados podiam sentir que gerariam outros calos. A tarde sangrava o azul, escondendo-se por trás da noite. O crepúsculo era um azul-sangrento, assim, azul-sangrento.

cafe preto

Seus olhos me buscam
Dois pontos pretos redondos
Um mistério
Uma ansiedade escondo
Talvez seja um sonho
Talvez obra de Deus
Mas bem que gostaria
De anoitecer nos olhos teus.